Toda cidade tem um rosto, uma identidade e um representante. Existe em toda cidade, uma identidade. Hoje encarei o rosto da minha cidade, me lembrei entre um riso disfarçado o começo de "Guardas! Guardas!" do Terry Pratchett. A  cidade  era  uma...  uma...  uma...  como  se  diz?  Coisa.  Mulher.  Era  isso  o  que ela era. Uma mulher. Barulhenta, velha, com séculos de idade. 

        Esse não foi o rosto que vi, talvez se fosse, não estaria tão descontente. Hoje vi uma representante do município, para os que não entendem as singelas metaforas aqui guardadas. Ela era velha, branca, caricata, de terninho no calor, com o cabelo bem escovado, ela era branca, e tinha, no Acre, um sotaque do sul do Brasil muito bem demarcado. A cidade hoje tinha um rosto que vi nas ruas apenas algumas vezes, fiquei bastante pensativo. 

    Me senti traído pela cidade quando vi seu rosto, esperava ver a face dos meus, dos que moram na cidade. Curiosamente, conheci a cidade enquanto discutia os direitos da vida das suas ruas, desemparadas, abandonadas, senti que ao ver seu rosto eu mesmo o fui. Não sabia com quem andava. Ela, a cidade, Andava com você,  deixava  você  sentir  uma  coisa  -  paixão  -  por  ela,  depois  jogava  um  balde  de...  de...  negócio.  Negócio  que  molha.  Álcool.  Aguardente.  Água  fria.  Isso  é  o  que  ela fazia. 

       Comecei a pensar sobre o rosto do Estado, do País, passei alguns minutos encarando a parede tentando evocar na mente o rosto do Lula, em vão, não sou bom de visualização. Mas bem na minha frente estava a rua: preta, gay, travesti, abandonada, com fome, sem casa. Se parecia muito com a mulher-cidade descrita por Vimes em Guardas!Guardas!. Por qual a razão, então, não se párece a cidade com suas ruas? Não encontrei nenhuma resposta para essa pergunta que combinasse com esse texto, tão pouco politizado. 

    Mas encontrei um desejo, uma vontade inquietante de ver no rosto da cidade, suas ruas.  

Responsabilidade em solidão

 

    Andei pensando bastante esses dias na minha responsabilidade na minha própria solidão, na minha falta, e como é muito fácil projetar no outro o que eu preciso, é mais fácil imaginar e criar cenários onde todos me odeiam, eu fiz algo de errado, e fantasiar que é por isso que ando sozinho. 

     Sem lembrar que, quem sumiu, talvez, fui eu. Me pergunto quantas mensagens eu tenho enviado, quanta presença eu tenho feito fora dos rolês, é tão fácil colocar no outro a responsabilidade de suprir aquilo que eu sinto falta. Se eu sinto saudades, por que esperar um convite? Por que não perguntar quando a gente pode se ver? 

     "Eu sinto sua falta, quer sair comigo"  não soa ao ego tão bom quanto "eu sinto sua falta, por favor lembra de mim, me convida, me chama, não me esquece", mas soa ao outro menos cobrança, tira a responsabilidade do outro daquilo que é meu, da minha falta, das minhas inseguranças, dos meus medos e da minha própria solidão. 

     Eu gostaria que sentissem minha falta, mas quem faz falta não sou eu, enquanto vou sentindo saudades e me isolando. Lidar com as minhas necessidades e entender as do outro não é fácil, principalmente quando não consigo entender aquilo que não me é dito, pior ainda quando não consigo parar de fantasiar que não faço mais parte. 

    E assim vou devagarinho tentando me reintegrar no amor de quem eu amo, esperando que ainda hajam portas, pq me sinto olhando pela janela.